CONVOCATÓRIA
Por uma ciência e educação superior pública, gratuita, crítica, humanista e
intercultural, baseada em modelos plurilíngues de investigação e docência
Na academia latino-americana aumenta a preocupação com determinados processos de reestruturação das Ciências e da Educação Superior que incluem os seguintes fenômenos:
1. a crescente expansão do inglês e o deslocamento de outras línguas, como o espanhol e o português, de áreas estratégicas do campo das Ciências e da Educação Superior, e
2. a imposição progressiva de sistemas de avaliação, hierarquização e exclusão pertencentes a um modelo empresarial de gestão universitária, alheios ao funcionamento das Ciências e da Educação Superior como universidades – públicas ou privadas – orientadas para a investigação e educação crítica, científica, humanista e sem fins lucrativos.
A expansão do inglês se apresenta como um processo neutro e natural, sem atores identificáveis, inevitável e desejável; o inglês aparece como única língua da ciência; qualquer modelo alternativo ao monopólio dessa língua é declarado inviável. Já em 2010, 72% das publicações nas humanidades, 94% nas ciências sociais e mais de 96% nas ciências naturais experimentais aparecia em inglês em revistas internacionais indexadas pela Web of Science e seus índices de citações (Citation Indexes). O espanhol estava presente em 0,24% dos artigos em ciências experimentais e 2.4% em artes e ciências humanas e o português ocupava espaços ainda menores. A hegemonia extrema do inglês no subcampo da circulação científica (publicações, conferências) criou uma crescente pressão pela adoção do inglês como língua de ensino na educação superior, particularmente na pós-graduação; este processo avança com especial rapidez na Europa e Ásia, no entanto já temos seus primeiros indícios também na América Latina.
Atualmente nos encontramos diante de uma disjunção histórica no campo das Ciências e da Educação Superior: consolidar a passagem da atual situação, caracterizada por uma marcante hegemonia do inglês em contexto de um multilinguismo acadêmico reduzido a umas poucas línguas, para um monopólio total do inglês no futuro imediato neste campo; nas publicações em ciências naturais, este processo está praticamente concluído. Ou, em vez disso, reabrir e reforçar o amplo ciclo de desenvolvimento vertiginoso das ciências baseado em um modelo plurilíngue, regionalmente diferenciado, como um de seus componentes constitutivos.
O avanço do inglês está relacionado à imposição de um modelo empresarial de gestão universitária que se baseia nos princípios de eficiência, eficácia e redução de custos e na teoria do capital humano, que transfere o custo da educação universitária aos indivíduos. Como parte deste processo, surgiram novos sistemas de avaliação acadêmica que estabelecem hierarquias (rankings), inclusões e exclusões de universidades, disciplinas, investigadores e revistas. A bibliometria instalou o conceito de “fator de impacto” no centro de seu sistema de avaliação: o valor e a qualidade de um artigo científico são estabelecidos exclusivamente pelo número de citações que alcança na pequena seleção de revistas do “Citation Index”. Esta fundamentação é circular e autorreferencial, e carece de uma base teórica sólida. É incapaz de descrever o valor de um artigo baseado em sua qualidade científica ou em seu impacto real na sociedade. Justifica, além disso, a exclusão de quase todas as publicações que não estejam em inglês. O impressionante é que somente uma empresa multinacional de informação, a Thomson Reuters, controle em grande medida os rankings das publicações científicas no mundo por meio de seus índices de citações e, com este mecanismo, controle igualmente as carreiras e o destino dos investigadores.
Tanto os novos sistemas de gestão e avaliação como o crescente predomínio do inglês distanciam ainda mais as instituições de Ciências e de Educação Superior das sociedades às quais pertencem.
Em síntese, consideramos que os processos observados na transformação do campo das Ciências e da Educação Superior requerem uma revisão crítica da qual participem as comunidades acadêmicas. Em nosso ponto de vista, existem boas razões para não abandonarmos nossas línguas científicas e tampouco nossos sistemas qualitativos de avaliação:
1. A redução da diversidade a apenas uma língua na produção de modelos, temas e estratégias de investigação muito provavelmente conduziria, desde uma perspectiva de sustentabilidade e diversidade, a um empobrecimento perigoso do próprio desenvolvimento científico, das epistemologias e da criatividade, especialmente nas ciências sociais e humanas.
2. A imposição total do inglês reforçaria ainda mais as assimetrias já existentes, tanto no que diz respeito às condições de acesso às ciências internacionais como no que tange à circulação dos resultados das ciências e suas tecnologias. Se tomamos em conta o valor da ciência como meio de produção, essa imposição prejudicaria, em médio e longo prazo, o desenvolvimento da própria economia dos países que abandonaram suas línguas nestes espaços.
3. Os sistemas de avaliação bibliométrica privilegiam claramente as publicações e as universidades que ensinam em inglês ao colocá-las nos primeiros lugares dos rankings, sem qualquer fundamentação qualitativa. Esse deslocamento de nossas comunidades científicas prejudica nosso desenvolvimento, desempenho e independência ao nos subordinar à comunidade hegemônica da Anglofonia.
4. Em consequência da crescente hegemonia do inglês, a academia e os profissionais anglo-saxões têm se tornado cada vez mais monolíngues em sua competência linguística real, porém ainda mais nas ideologias e práticas de seus membros, que já não consideram o que se trabalha e se publica em outras línguas. Estão se transformando em monolíngues funcionais, comparáveis aos analfabetos funcionais. Devido ao seu enorme peso, o monolinguismo praticado pela academia anglo-saxã influencia o resto do mundo, já que o exercício monolíngue constitui uma formidável pressão para que o resto do mundo acadêmico se subordine a suas práticas e adote o monopólio do inglês em sua atuação.
Na América Latina, como em outras partes do mundo, cresce o mal-estar com a imposição
crescente de sistemas externos de definição, gestão e avaliação nas Ciências e na Educação Superior, aliada ao inglês como única língua científica. Esses modelos se impõem, muitas vezes, de forma sub-reptícia, vertical e sem amplas consultas às comunidades acadêmicas, por meio de nossas instituições governamentais de administração da ciência, tecnologia e ensino superior (Conicet, CNPq, Conacyt, etc.) e das reitorias das universidades.
Propomos iniciar uma revisão crítica e um debate sobre os processos mencionados com o objetivo de avaliar se respondem às necessidades e às melhores estratégias para o desenvolvimento das Ciências e da Educação Superior na América Latina e no resto do mundo, ou se, pelo contrário, prejudicam o desempenho acadêmico crítico de nossas instituições e o subordinam, ainda mais do que no presente, a centros de poder acadêmico externos.
Como acadêmicos latino-americanos, advogamos pelo desenvolvimento de uma investigação científica definida a partir das necessidades de nossos países e de uma educação superior baseada nos princípios e diretrizes da educação pública gratuita, crítica, científica, humanista e intercultural.
Advogamos, também, pela preservação e fortalecimento de modelos plurilíngues de investigação, docência e comunicação científica, baseados em nossas principais línguas de integração latinoamericana, o espanhol e o português, sem nunca fechar as portas às línguas indígenas e de imigração, e pela apropriação vigorosa do inglês e de outras línguas estrangeiras a partir das necessidades e nas modalidades definidas por nossas comunidades científicas, impulsionando a internacionalização da investigação e do ensino. Tudo isto possibilitará fortalecer uma relação com o inglês a partir de uma posição não marcada pela subalternidade.
Fazemos um chamado às instâncias políticas, às instituições governamentais de administração e fomento da ciência e da educação superior e às direções de universidades e de outros centros de investigação para que impulsionem políticas coerentes com os princípios e orientações aqui formulados.
Bogotá, D. C., Colômbia, 27 de julho de 2017.
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Contato: política.lenguaje.alfal@gmail.com
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