O tema que proponho para discussão na coluna desta semana, no Portal Desacato, O golpe contra o ensino do espanhol no Brasil, não poderia ser mais complexo, por isso, não tenho a pretensão de esgotá-lo e nem de fugir às críticas em decorrência da linha de reflexão que adotarei ao longo do texto.
Diante da complexidade da questão em debate, como salientei no início, faz-se imprescindível mencionar que para a compreensão dessa discussão, o leitor necessita conhecer as seguintes leis e medidas: LDB 9.394 e alterações, Lei do Espanhol de 2005 – 11.161, revogada na totalidade pelo governo Temer a partir da Lei 13.415 de 2017, a Medida Provisória 746 de 2016 e, evidentemente, a Constituição Federal de 1988.
Imagem: gonzaloabio-ele.blogspot.com
Feita a apresentação da temática, da complexidade que a rodeia e da necessidade de conhecimento legislativo-jurídico acerca da problemática em baila, sinalizo que um dos pontos a ser discutido no que concerne ao golpe contra o ensino do espanhol na Educação Básica Brasileira é a relação direta e estreita, deste, ainda que muitos não consigam perceber, com o grande golpe político-midiático-jurídico (assim é possível nomeá-lo) concretizado no Brasil a partir do impeachment de Dilma Rousseff, da perseguição ao ex-presidente Lula e, principalmente, contra o projeto de integração cultural latino-americana em construção no Brasil não somente pelos caminhos do MERCOSUL (Bloco em amplo processo de enfraquecimento e de desmantelamento por conta da visão nacionalista patriota isolada de alguns dos atuais líderes políticos dos países membros, em especial, da Argentina e do Brasil), mas, principalmente, pelo apagamento e silenciamento da língua de nossos irmãos em terras brasileiras.
No que diz respeito ao enfraquecimento do MERCOSUL, bloco criado para fins de mercado que, até hoje, não desenvolveu, de fato, uma agenda de integração no plano educacional, cultural e político, externo que, mesmo ancorado numa integração somente pela perspectiva econômica, e sabemos que a integração cultural precede qualquer tentativa de integração, por isso a fragilidade desse bloco, não decolou como espaço de integração de povos e de culturas, mas, apesar disso, até certo ponto, possibilitou a circulação de pessoas e, isso, de alguma forma, favorece trocas e intercâmbios para algo mais consolidado no futuro.
Com respeito à fragilidade e à desintegração de muitos blocos na atualidade, dentre eles, pode ser mencionado a UE, que apesar de ser referência em processos de integração para todo o mundo, por não ter alcançado a construção de uma identidade cultural em bloco, e nem era seu objetivo, ao que tudo indica, começou a se desmontar. O caso do BREXIT corrobora essa fragilidade à qual me refiro e, além deste, já existem outros movimentos em outros países do bloco europeu em busca de uma dissolução. Para quem não leu nada a respeito do BREXIT e não tem ideia do que se trata, é interessante dizer que esta sigla é uma forma abreviada de dois vocábulos de língua inglesa Britain (Grã-Bretanha) e exit(que significa saída).
Deixando de lado a UE e voltando à questão do enfraquecimento e da fragilidade do MERCOSUL, para corroborar e elucidar essa hipótese, é oportuno analisar os embates e posicionamentos de países membros como Brasil e Argentina, dois Estados fortemente geridos por neoliberais apologistas à dependência do Norte, contrários à permanência da Venezuela no Bloco, tendo em vista que a presença da nação venezuelana no MERCOSUL afrontaria, diretamente, a ideologia neoliberal dos governos Temer e Macri, dois indivíduos subalternos aos planos e projetos dos EUA para a América Latina, dado que a Venezuela é fortemente opositora ao regime ianque.
Retomando o debate específico sobre a retirada do espanhol como disciplina de oferta obrigatória no Ensino Médio, é tempestivo mencionar que tal ação representa, subjetivamente, um desrespeito ao princípio Constitucional de se empreender a integração do Brasil com as demais nações latino-americanas, pois trava [pela via linguístico-cultural os processos integrativos e sabemos que a integração cultural precede as demais] com a língua como elemento imprescindível para o fenômeno da integração e, como colocado, este é um norte em nossa Carta Magna. Com isso, pode-se afirmar que o ataque ao espanhol é também uma guerra contra a unidade latino-americana.
Dito tudo isso, é crucial que a sociedade entenda que ao atacar o ensino do espanhol, o governo atual desconstrói toda a semiótico-semiologia de aproximação do Brasil com o restante da América Latina hispano-falante e, desta maneira, desloca o país da possibilidade de construção de uma epistemologia do Sul e para o Sul, por meio da descolonialidade ou decolonialidade de um pensamento dialógico entre nações irmãs do Continente Latino-americano a partir de línguas também irmanadas. Nesse sentido, pode-se pontuar que a revogação da Lei 11.161 de 2005 pela Lei 13.415 de 2017 é um desvario, pois fere, de forma subjetiva [como já me posicionei], um dos objetivos constitucionais de formação de uma comunidade latino-americana de nações emperrando tudo pela anulação da pluralidade linguística e trânsitos culturais advindos dos encontros entre povos irmãos.
Além de todas as questões levantadas, é necessário informar que o grande golpe político-midiático-jurídico possui tentáculos e ramificações aterradoras que descambam em várias áreas e frentes de atuação, dentre eles, no sistema educacional brasileiro, com a reforma do Ensino Médio, apresentada, fomentada e difundida pela mídia empresarial conservadora tradicional (aparelho ideológico a serviço do Estado e do capital) como algo benéfico ao futuro do país. Nesse contexto, o silenciamento do espanhol, língua falada pela maioria dos países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil, em nosso sistema educativo representa apenas uma das ramificações do grande golpe contra Dilma, aliás, contra toda a nação brasileira, e a sociedade precisa, com urgência, entender que ainda estão em desenvolvimento outros golpes como a Reforma da Previdência, além da Reforma Trabalhista que já se concretizou e afetou milhões de brasileiros, assassinando o futuro.
Com a finalidade de reiteração, é importante dizer que essa onda de golpes a partir do golpe maior com o impeachment de Dilma Rousseff é muito daninha, nociva e representa retrocessos não somente para a consolidação de uma democracia que parecia estável no país, mas, também, um baque no que concerne aos processos latino-americanos de integração iniciados nas gestões de Lula e de Dilma, encaminhamentos estes que aconteciam a passos lentos, mas que, de alguma maneira, estavam ocorrendo.
Para fins de considerações finais, cabe salientar que a revogação da Lei 11.161, além de tudo o que se discutiu, afeta, diretamente, licenciados já formados na área, que agora se veem sem perspectivas de inserção no mercado, bem como os discentes que estão em formação nas universidades públicas e privadas de todo o país, já que com a retirada da obrigatoriedade da oferta da língua espanhola no Ensino Médio e a facultativa inclusão deste idioma no currículo do Ensino Fundamental, não haverá mais a abertura de concursos para esta área de ensino e as escolas deixarão de contratar professores dessa cadeira. Em meio a todo esse quadro, as escolas privadas, fortemente protegidas pela nova lei trabalhista, não hesitarão em demitir em massa os docentes de língua espanhola, já que não haverá a obrigatoriedade da oferta deste idioma. Ademais, corre-se o risco das instituições de ensino superior, sejam federais, estaduais ou particulares, fecharem cursos de graduação e até de pós-graduação, pois não haverá demanda e os brasileiros não farão um curso sem a possibilidade de crescimento profissional e de ganhos econômicos após a formação. Além de tudo, não serão abertos novos concursos nas e para as universidades para a contratação de professores da área de espanhol.
Por tudo isso, é impossível negar que a retirada do espanhol da educação básica brasileira foi um tiro fatal de longo espectro, pois afetou diversos segmentos profissionais não somente dessa esfera de ensino, mas, também, do ensino superior interferindo, inclusive, no mercado brasileiro, já que profissionais serão demitidos e outros nem conseguirão exercer a profissão.
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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
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