sexta-feira, 6 de abril de 2018

PEDIDO DE MANUTENÇÃO DA OFERTA OBRIGATÓRIA DO ESPANHOL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL




Excelentíssimos Senhores Deputados da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia (CECDCT)

Como docentes da Área de Espanhol de Universidades Federais e Institutos Federais atuantes no Estado do Rio Grande do Sul, apoiados por nossas instituições de ensino, professores em formação, professores em serviço e comunidade em geral de nossas respectivas regiões, gostaríamos de manifestar, em primeiro lugar, nosso agradecimento a esta Casa Legislativa que, generosamente, nos acolhe e acolhe as propostas que visam ao desenvolvimento e à qualidade da Educação Pública no nosso Estado.

Isto posto, esclarecemos que nossa intenção, com o presente documento, em virtude das recentes mudanças na legislação federal que revogaram a obrigatoriedade da oferta de espanhol no Ensino Médio, é apresentar os fatos históricos e os argumentos tendentes a uma reflexão sobre a importância da manutenção do ensino de língua espanhola e de uma política que promova o plurilinguismo nas escolas públicas.
Em fevereiro de 2017, com a aprovação da Lei 13.415/2017, advinda da Medida Provisória 746/2016, passamos a vivenciar no Brasil e, de maneira particular, no nosso Estado, um esvaziamento do espaço das línguas em geral e do espanhol de maneira específica na escola pública. A referida lei, que altera a LDB, revogou a Lei 11.161/2005, que dispunha sobre a oferta obrigatória do ensino de língua espanhola na Educação Básica do país e impôs o ensino do inglês como a única língua estrangeira a ser ensinada obrigatoriamente na escola. Recentemente, com a última publicação da Base Nacional Comum Curricular, “documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” brasileira (MEC, 2017), verificamos que o discurso da pluralidade linguística nas escolas foi também invisibilizado. Há apenas espaço para o inglês.

Frente a este cenário de retrocesso no Ensino de Línguas no Estado do Rio Grande do Sul, em especial nas escolas públicas - pontuado também pelo Instituto Goethe, de Porto Alegre, a essa Casa Legislativa, à Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia (CECDCT)1 - queremos aqui destacar pontualmente os argumentos favoráveis à manutenção da língua espanhola no quadro de disciplinas de oferta obrigatória, na expectativa de que os dados aqui elencados sirvam de embasamento para discussões mais amplas nesta casa, levando a uma possível reversão da atual situação.

Em primeiro lugar, é importante contextualizarmos o ensino de línguas estrangeiras no Brasil, lembrando que a oferta dessas línguas no sistema escolar brasileiro sempre esteve afetada pelos momentos políticos da nossa história, bem como da história mundial.
Na América do Sul, em especial, é conhecida a postura “de costas para países vizinhos” que o Brasil manteve ao longo de décadas, reforçando a imagem de uma ilha linguística. O fato de falar português contribuiu, na ótica de certas políticas nacionalistas, para que o Brasil não se integrasse à ideia de formação de uma identidade sul-americana. O mesmo, lamentavelmente, ocorreu a países vizinhos que, assim como o Brasil, viveram sob a regência de governos ditatoriais, cujo nacionalismo exacerbado, inclusive em termos linguísticos, tornou esses países isolados uns em relação aos outros. Com isso, por longo tempo, tanto o português quanto o espanhol como línguas estrangeiras foram pouco difundidos e raramente ofertados nas escolas e mesmo nos cursos livres.

No Brasil, tanto na Era Vargas quanto durante o período da ditadura militar, houve o silenciamento das línguas, quer fossem elas línguas nacionais, como as línguas indígenas, quer fossem línguas estrangeiras, quer fossem línguas de herança (a língua dos imigrantes), embora haja relatos de que Vargas e Perón teriam iniciado uma proposta de incluir língua portuguesa nas escolas argentinas e espanhol nas escolas brasileiras. Na era JK, também houve projeto de incluir o espanhol na escola pública, no entanto, em virtude das fortes relações e dos interesses comerciais com os EUA, o projeto não vingou.

Em termos de registro histórico, é importante ter em conta que, ainda nos anos 90, a política do monolinguismo, que historicamente dominou os países sul-americanos, deu lugar paulatinamente ao reconhecimento das outras línguas, iniciando-se novas formas de organização de sistemas escolares, considerando especificidades como a Educação Intercultural Bilíngue Indígena, a inclusão de Libras e de outras línguas da região, espanhol, português e, mais recentemente, o guarani nos sistemas educacionais dos países, especialmente naqueles que são membros plenos do Mercosul. A história das línguas no âmbito do Mercosul saiu então do binarismo português–espanhol e pouco a pouco foi se ampliando para a oferta de mais línguas segundas e estrangeiras na escola. Este quadro de ampliação e diversificação da oferta responde tanto ao que os organismos internacionais em prol da cultura e do respeito aos direitos civis apontam como também traz para nossa realidade a necessidade de uma política pública de oferta plurilíngue na escola.

Até hoje, o Brasil não reconhece oficialmente suas outras línguas nacionais, como é o caso das línguas indígenas, e só muito recentemente passou a dar o devido reconhecimento à Libras. Esse longo período, em que o português se tornou a única língua a ser aprendida e ensinada, construiu uma cultura monolíngue, ou seja, para o brasileiro, saber e aprender o português, a “única língua que se fala no país”, basta para que sejamos sujeitos no mundo, do mundo e com o mundo. Esta cultura teve impacto direto no ensino das línguas estrangeiras, contribuindo para sua pouca valorização na escola de educação básica. Enquanto em vários países do mundo se ofertam línguas estrangeiras desde os primeiros anos escolares no sistema público, o Brasil só possibilita o contato do aluno com as línguas estrangeiras a partir dos anos finais do ensino fundamental e, de modo predominante, a língua inglesa. Situação que a nova lei perpetua. Para aclarar um pouco mais este quadro, é significativo considerar que o Brasil ocupa, entre oitenta países, a quadragésima primeira colocação no ranking mundial em termos de proficiência em lingua estrangeira e, na América Latina, está atrás de países como Argentina, República Dominicana e Costa Rica, sendo classificado com proficiência baixa.
Referente à inclusão do ensino de espanhol no sistema escolar brasileiro, é importante considerar que ela ocorreu em um contexto singular, a partir da lei 11.161 de 2005. Por um lado, a inclusão do espanhol respondia aos protocolos de intenções e acordos no âmbito do Mercosul, uma vez que português e espanhol são oficializadas como línguas do bloco, a partir do Tratado de Assunção de 1991. Também respondia a uma série de convênios de cooperação firmados entre Brasil e Espanha. Por outro lado, decorre também de um momento no qual organismos internacionais como a ONU publicam declarações dos direitos à diversidade cultural e dos direitos linguísticos, muito em decorrência da escolha das diversas línguas oficiais e de trabalho na Comunidade Europeia.

Como consequência direta da aprovação da lei 11.161 de 2005, houve um intenso investimento governamental na criação de novas licenciaturas de língua espanhola pelo Brasil. No Estado do Rio Grande do Sul, a saber, houve a criação de Universidades com Cursos de Letras Espanhol como o da Unipampa e da Universidade Federal da Fronteira Sul, ambas na região da fronteira. Os Institutos Federais também investiram na criação de tais cursos. Com isso, ampliou-se consideravelmente o número de cursos e de professores. Vários municípios também realizaram investimentos na área, contratando novos professores e firmando parcerias com universidades para a criação de polos para a oferta de licenciaturas em Letras/Espanhol na modalidade a distância pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). O Rio Grande do Sul, por sua vez, incorporou em seu quadro de pessoal centenas de professores de língua espanhola nos últimos concursos públicos e contratos temporários. Mesmo escolas particulares tiveram o interesse pela língua espanhola, aumentando sua oferta, criando-se novos postos de trabalho e sendo estabelecidos convênios e intercâmbios com escolas de países de língua espanhola. Para além disso e, talvez, mais importante, por tratar-se de projetos de vida, houve um acréscimo significativo de investimento pessoal na carreira de professor de espanhol - investimentos estes que se frustram com a revogação da lei. Nossas universidades ampliaram suas vagas, tanto na modalidade presencial como na educação a distância, formando-se, nestes anos de vigor da lei, um elevado número de novos profissionais que pautaram toda a sua formação e seus melhores esforços com vistas a um mercado de trabalho que ora se vê reduzido ou mesmo, em muitos lugares, extinto.

Temos, já, notícias concretas de escolas que, muito embora tenham professores de espanhol em seu quadro, estão reduzindo consideravelmente a carga horária da língua em favor do inglês, motivados pela Lei 13.415/2017. Entre os vários relatos que temos colecionado, podemos mencionar, a título de ilustração, que no sul do estado uma professora de língua espanhola foi obrigada a decidir entre assumir a disciplina em várias escolas, o que seria impraticável por conta dos múltiplos deslocamentos, ou dar aulas de Artes, disciplina para a qual não tem formação. No extremo norte, no princípio do ano, outra professora de espanhol foi surpreendida ao chegar à escola em que trabalhava e ver toda a sua carga horária substituída pelo inglês, alegando-se ter sido “ordem de cima”. E mais, descobriu que seria ela, sem qualquer formação na língua inglesa, que deveria ministrar as aulas. Ao se recusar, tentaram convencê-la a dar aulas de espanhol e registrar como inglês, proposta carente de legalidade que foi imediatamente recusada. A pressão sobre a professora foi tal que ela se exonerou e hoje atua em Santa Maria com ensino infantil, que corresponde a sua segunda formação como pedagoga. Estes são apenas dois casos dos inúmeros que nos chegaram até o momento, apesar da sinalização do Conselho Estadual de Educação de que o espanhol não deveria ser retirado da grade antes da conclusão dos debates sobre as OCNs (Parecer nº 02/2017 - Processo CEEd no 17/27.00/0000129-1).


Esclarecido todo o processo histórico e demonstrada a situação em que atualmente nos encontramos, destacamos, ainda, que:


1)         O espanhol é língua oficial em 21 países.

2)         O espanhol é a segunda língua mais utilizada na comunidade internacional.

3)         O espanhol é, em termos demográficos, a segunda língua mais falada no

mundo.

4)         As línguas oficiais do Mercosul são o português, o espanhol e o guarani.

5)         O Brasil faz fronteira com sete países que têm o espanhol como língua oficial.

6)         O Estado do Rio Grande do Sul faz fronteira com dois desses sete países.

7)         O Estado do Rio Grande do Sul tem cerca de 27 cidades que fazem fronteira com o Uruguai e com a Argentina.
8)         Em se tratando de política linguística e econômica, países desenvolvidos proporcionam oferta de espanhol em suas redes de ensino porque compreendem suas fronteiras como espaço fluido. Recentemente, a França abriu contratação de mil (1.000) vagas para professores de espanhol, sem contar que países como os Estados Unidos, em algumas regiões, podem ser visitados sem a necessidade do conhecimento do inglês. A língua estrangeira mais falada nos Estados Unidos, por conta da crescente imigração e da fronteira com o México, é o espanhol.

9)         A escola pública deve ser espaço plural e, portanto, deveria ofertar não apenas uma, mas várias línguas estrangeiras que levem em conta, principalmente, os contextos em que as escolas estão inseridas.
10)     Negar o espanhol como língua estrangeira na escola brasileira é ampliar a distância que existe entre “escola de rico” e “escola de pobre”, afinal, os alunos que tiverem acesso a melhores condições de ensino e à diversidade linguística terão, sem dúvida, mais condições de concorrer a vagas nesse mercado de trabalho cada vez mais concorrido, globalizado e intercultural.

Queremos deixar claro que somos favoráveis a uma mudança significativa no sistema de ensino do país, a fim de torná-lo um espaço cada vez mais propício à ampliação dos saberes dos alunos, cada vez mais digno como espaço de trabalho para profissionais da educação, cada vez mais inclusivo e plural. No entanto, defendemos que estas mudanças devem vir a partir de um diálogo respeitoso com os profissionais da área, com os alunos, com todas as comunidades envolvidas.

Diante de todo o exposto, conclamamos os deputados dessa comissão e os demais deputados dessa Casa Legislativa a juntarem-se a nós pela manutenção do espanhol na escola pública do Estado do Rio Grande do Sul, pela manutenção da escola como esse espaço de pluralidade de vozes e de encontro com o outro, a língua do outro, a cultura e a realidade do outro, o que tende a garantir a construção de uma sociedade mais tolerante e inclusiva.
Manter a língua espanhola como disciplina de oferta obrigatória na escola, seria um primeiro, ainda que pequeno passo para garantir a pluralidade linguística na escola, o que é defendida pelos grandes linguísticas de nosso nosso país e do mundo, para além de qualquer ideologia.

Certos de sua boa acolhida, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

Angelise Fagundes da Silva - Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS - Campus Cerro Largo)

Denise Perez Lacerda - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (Ifsul - Campus CAVG)

Elton Vergara Nunes - Universidade Federal de Pelotas (Ufpel)

Giane Rodrigues dos Santos - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA - Campus Jaguarão)

Glenda Heller Cáceres - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS - Campus Bento Gonçalves)
Isaphi Marlene Jardim Alvarez - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA - Campus Bagé)

Joselma Noal - Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Marcus Vinicius Liessem Fontana - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Natalia Labella-Sánchez - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)



  
Assinam abaixo os representantes presentes à entrega deste documento em 27 de março de 2018.


Nota de Rodapé: 


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